Por Álvaro Cálix*
Tradução: Eugênio Xavier
Revisão: Mariana Yante
Este artigo reflete sobre os desafios da América Central para avançar na sua conquista do bem-estar, à luz das mudanças demográficas previstas para o século XXI. Para isso, baseio-me nos dados e resultados apresentados pelo documento “Estatísticas da América Central 2014”, publicado no final de 2014 pelo Proyecto Estado de la Región[1].
Todos os países da América Central têm aumentado seus níveis de desenvolvimento humano desde 1990 – segundo as aferições do PNUD –, ainda que a região como um conjunto siga abaixo da média latino-americana e mundial (gráfico 1). Os avanços ocorrem na presença de assimetrias acentuadas; por um lado se sobressaem Costa Rica, Panamá e Belize no grupo classificado como “desenvolvimento humano alto”, enquanto que os quatro restantes situam-se dentro do terceiro grupo “desenvolvimento humano médio”. Das variáveis utilizadas para calcular o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), as principais defasagens são expressas no nível de renda e de desempenho educativo. Além disso, leve-se em conta que, devido às brechas no interior dos países do istmo, o IDH ajustado pela desigualdade reduz de forma notável as conquistas em desenvolvimento humano (gráfico 2).
Gráfico 1
Gráfico 2
Tabela 1: América Central – Índice de Desenvolvimento Humano e ajuste pela desigualdade (2013)
Classificação IDH (174 países) | País | Valor do IDH | Valor do IDH ajustado pela desigualdade | Perda total em % (comparação com IDH sem ajustes) | Diferença de posição na classificação do IDH |
65 | Panamá | 0.765 | 0.596 | 22.1 | -18 |
68 | Costa Rica | 0.763 | 0.611 | 19.9 | -11 |
84 | Belize | 0.732 | .. | .. | .. |
115 | El Salvador | 0.662 | 0.485 | 26.7 | -7 |
125 | Guatemala | 0.628 | 0.422 | 32.8 | -8 |
129 | Honduras | 0.617 | 0.418 | 32.2 | -6 |
132 | Nicarágua | 0.614 | 0.452 | 26.4 | 4 |
A análise das tendências de desenvolvimento na região não pode passar por cima das mudanças e transformações demográficas. Atualmente, a América Central possui uma população que beira os 45 milhões, a qual estaria crescendo até alcançar os 70 milhões por volta de 2080. Os principais aumentos serão reportados na Guatemala e em Honduras. Em face desse dado, a primeira pergunta que se pode fazer é como os países irão lidar com o aumento da população sem condições básicas de bem-estar humano e infraestrutura produtiva.
Antes desse pico em 2080, passaremos durante o século XXI por duas fases demográficas diferenciadas. A primeira é a que se conhece como boom demográfico, caracterizado pela menor importância relativa da população dependente – menor de 15 e maior de 65 – devido ao aumento da população em idade produtiva (15 a 65). Essa fase alcançaria seu ápice por volta de 2040; trata-se de uma oportunidade única para impulsionar o crescimento e o desenvolvimento, porém como mostram os níveis de investimentos públicos, assim como os indicadores sanitários, educativos e de produtividade, a maior parte dos países do istmo está em risco de desperdiçar a vantagem demográfica. A segunda fase, por sua vez, começaria a mostrar-se com mais força a partir de 2060, quando a população maior de 65 anos comece a superar a das crianças menores de 15 (gráficos 3 e 4)[2].
Gráfico 3
Gráfico 4
Volta-se, então, à pergunta: de que forma os países do istmo enfrentarão o envelhecimento de seus habitantes, se não conseguiram construir anteriormente estruturas amplas de oportunidade e seguridade social. A pergunta adquire uma relevância especial na Guatemala e em Honduras, os quais, ainda que contem com uma maior margem de tempo para chegar ao boom demográfico, são os que mostram maiores níveis de exclusão social.
Segundo o documento Estatísticas da América Central 2014, 47 de cada 100 habitantes da região viviam em condição de pobreza em 2013, por volta de 21 milhões de pessoas, concentradas em sua maioria em Honduras e na Guatemala. O mais preocupante é que, ao longo do século XXI, a redução da pobreza tem sido modesta; por outro lado, a crise da década anterior deixou sequelas que elevaram sua incidência, ou no melhor dos casos, estancou o ritmo da reversão.
A pobreza coexiste ademais com uma perigosa condição: a inequidade. Ainda que todos os países da América Central sejam considerados muito desiguais em nível global, os resultados apresentados pelo Proyeto Estado de la Región permitem identificar diferenças significativas. Assim, se identificam três grupos de países: a) Nicarágua, El Salvador e Belize, com níveis de desigualdade relativamente menores e incidência média da pobreza, b) Costa Rica e Panamá, menor incidência de pobreza com altos níveis de inequidade, e c) Honduras e Guatemala, altos níveis de desigualdade e pobreza.
A convergência crônica da pobreza com a desigualdade exacerba os efeitos da chamada “armadilha do nascimento”, isto é, que a camada social de procedência de cada criança pré-determina o lugar e papel que terá na sociedade, devido às escassas oportunidades de mobilidade social ascendente.
Superar o ciclo vicioso de pobreza e concentração de riqueza, à luz dos cenários de mudança demográfica é uma tarefa de primeira ordem para os Estados centro-americanos e, porque não dizer, também para o Sistema de Integração. São necessárias soluções que sustentem os níveis de investimento na saúde e formação educacional, combinadas com políticas que favoreçam o dinamismo econômico equilibrado, com um inteligente e solidária tributação que consiga recursos suficientes para um Estado determinado a reduzir as brechas sociais e a investir em infraestruturas adequadas.
*Álvaro Cálix é escritor e pesquisador social. Doutor em Ciências Sociais (Programa Latinoamericano de Trabajo Social – Universidad Nacional Autónoma de Honduras). Membro do Centro de Investigación y Promoción de los Derechos Humanos en Honduras. Desempenhou-se como professor em vários programas de mestrado na Universidad Nacional Autónoma de Honduras e, também, no Mestrado Centro-americano em Ciência Política da Universidad de Costa Rica.
***NOTAS:
[1] O Projeto faz parte do Programa Estado de la Nación (PEN), um programa de pesquisa e formação sobre desenvolvimento humano sustentável na Costa Rica e na América Central. Pertence ao Consejo Nacional de Rectores (CONARE) da Costa Rica (composto das quatro universidades públicas desse país).
[2] É importante ressaltar que a Costa Rica e o Panamá atravessam um momento demográfico mais avançado, contando hoje com uma maior proporção de população em idade produtiva em relação aos outros países. Por essa mesma razão, serão também os que terão esgotado o período de boom demográfico mais cedo. Ao seu favor, são hoje os que contam com os melhores níveis de produtividade laboral e sistemas de seguridade social na América Central.