ANÁLISE: A diáspora cuscatleca

Por Amaral Palevi Gómez Arévalo

Revisão por: Mariana Yante

 

O fenômeno da migração em El Salvador é tema que tem estado nos jornais em razão das condições de muitos migrantes, que põem em risco sua vida ao fazer o caminho perigroso dos emigrantes rumo aos Estados Unidos; a essa diáspora cuscatleca[1] as crianças também se incorporaram.

A migração da diáspora cuscatleca é um fenômeno social que vai além da falta de acesso aos meios de bem-estar humanos; possivelmente, suas origens remontam à própria constituição do Estado salvadorenho nas mãos de elites do poder econômico, dos políticos e dos grandes proprietários de terras, que têm negado a possibilidade de um desenvolvimento humano para as amplas maiorias sociais.

A história das migrações contemporâneas em El Salvador é de datas recentes. Pode-se dizer que o momento de início deste processo se dá no ano 1969 como data paradigmática. Nesse ano, acontece a mal conhecida “Guerra do Futebol” ou a “Guerra das Cem Horas” entre El Salvador e Honduras. Esta guerra ensejou a expulsão de aproximadamente 300.000 salvadorenhos radicados em Honduras perto das fronteiras entre ambos os países.

Ao entrar em El Salvador, o grupo de deslocados não recebeu os meios necessários para sua incorporação à vida produtiva no setor agrícola, que era o meio que procuravam para sua subsistência diária. Isso se deu devido à alta porcentagem de concentração de terras nas poucas mãos dos grandes proprietários de terras. Esta situação forçou novamente um grande número de desabrigados de Honduras a emigrar para outros países da América Central, especialmente Belize, Guatemala e Nicarágua, e alguns até para o México e os Estados Unidos.

Com a instalação de governos ditatoriais militares na década de 1970 e início da perseguição política e repressão social em grande escalada, a migração foi vista como o meio idôneo de escapada da violência estatal que se experimentava em El Salvador nesse momento. Na época, também se dá um processo de deslocamento interno do campo à cidade. O campo começa a ser despovoado e as cidades iniciam um processo de crescimento não planejado. As zonas marginais se ampliam, principalmente na região metropolitana de São Salvador.

Com a declaração de guerra interna no começo da década de 1980, os fluxos migratórios salvadorenhos adquirem novas categorias: refugiados, exilados e asilados. O começo da guerra repercute no recrudescimento da migração. Existe uma clara diferenciação ente a área rural e a área urbana em quantitativo e lugares de destino. Por um lado, a população rural se deslocou principalmente nos países da América Central e no México. Em contraste, a população da área urbana se deslocou em países como Austrália, Suécia, Canadá, México e Estados Unidos. Os números de deslocados são de 245.500 para a área rural e 900.000 para a área urbana, representando aproximadamente 20% da população total dessa época. Surge, assim, a Diáspora Salvadorenha.

Com a assinatura dos Acordos de Paz, que colocaram fim à guerra, os deslocados das regiões da América Central e do México retornam, incorporando-se aos seus assentamentos de origem ou a novos lugares, para residir nas zonas rurais do País. No entanto, no que tange à maioria de residentes em países anglo-saxões e escandinavos, o retorno foi em menor medida. Esta situação terá um grande significado na próxima etapa de migração salvadorenha.

A deflagração das políticas de ajuste estrutural (PAE), conduzidas pelo Banco Mundial, e a cessação da ajuda internacional na reconstrução do País originam novos processos migratórios já não determinados pela violência direta, mas pela violência estrutural, que adquire rostos e formas de pobreza e de violência social. É nesta nova etapa das migrações que as redes migratórias familiares e sociais têm uma notoriedade em grande medida. Os primeiros migrantes das décadas de setenta e oitenta já estão estabelecidos, e começa a ocorrer um processo de reunificação familiar ampliada. As características principais deste processo de migração familiar ampliada devem ser compreendidas por meio dos laços de amizade, comunitários, políticos e sociais, que influem extraordinariamente para que mais pessoas empreendam o caminho da migração ilegal, principalmente para os Estados Unidos.

Agora nesta fase das migrações contemporâneas, El Salvador tem se transformado tanto em expulsor, como em receptor de imigrantes ao mesmo tempo. Ainda que os dados não sejam definitivos, calcula-se que 182.000 pessoas abandonaram o país no ano 2007, para dar um exemplo. Estas pessoas são principalmente jovens que possuem familiares nos países de recepção. Tal processo tem operado uma transformação significativa na área rural. Depois das políticas de ajuste estrutural que negaram as possibilidades de um desenvolvimento agrícola, este setor vem sendo relegado por vários anos. Os moradores da área rural não veem nele rentabilidade alguma, consistindo, em suma, em um meio de subsistência. Com o envio das remesas econômicas mensalmente, as quais satisfazem imediatas necessidades de subsistência, preferem viver apenas com isso, em vez de exporem-se às duras tarefas da recolhida do café ou da cana de açúcar. É por tal motivo que desde o ano 2007, de maneira oficial para as atividades agrícolas, conta-se com mão de obra agrícola conhecida como “braceiros”, de Honduras e Nicarágua, para completar o déficit de trabalhadores rurais. Este processo está em suas origens, mas deve de ser um tema de estudo emergente, devido às implicações sociais, culturais, econômicas e políticas que possui, tanto em nível nacional, como regional.

O fenômeno da migração em El Salvador deve deixar de ser visto apenas como fonte de remessas familiares, para um olhar de construção de uma paz constante no País.

 

***NOTAS:

[1] Adjetivo qualificativo que se refere aos salvadorenhos, o qual ressignifica o nome do antigo estado dos Pipiles em El Salvador, que se denominava Cuscatlán.

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