Por Ana Clarice Oliveira* | Fotos: Ajpu Nicho*
Traduzido por: Juliana Vitorino
Texto originalmente publicado em espanhol, no site Asuntos del Sur.
Desde meados do mês de abril, a Guatemala vem experimentando uma onda de marchas populares orientadas pelas reivindicações de #RenunciaYa, #JusticiaYa e, mais recentemente, #ReformaYa.
Um movimento nacional tem se empenhado em cobrar o seguimento das denúncias de escândalos que indicam que diversos membros do atual governo da Guatemala estiveram envolvidos em esquemas de corrupção, incluindo desvio e malversação de recursos públicos, além de omissão de funções. Sob muita pressão, a então vice-presidenta, Roxana Baldetti, tem sido o principal alvo não só durante as manifestações, mas, também, dos meios de comunicação e de ativos membros de redes sociais, tendo sido obrigada a renunciar a seu cargo em 8 de maio de 2015, após os massivos protestos de 25 de abril. A Baldetti, lhe acusam de conivência com a rede de corrupção, supostamente liderada por Juan Carlos Monzón Rojas, seu ex-secretário pessoal e mão direita.
No entanto, ela não é o único e nem tampouco o mais significativo dos personagens envolvidos nos sistemáticos esquemas de corrupção e impunidade que contribuem para a manutenção dos elevados níveis de desigualdade e inoperância das instituições públicas de todo o país.
Ao presidente da república, Otto Pérez Mollina, lhe acusam de estar envolvido nos esquemas de corrupção e, nas ruas, lhe pedem sua imediata renúncia. Alguns ministros também foram forçados a apresentar sua renúncia, como é o caso do ex-ministro de Gobernación Maurício Bonilla. Entre outras questões, ele foi apontado por movimentos sociais como o principal responsável por impedir o avanço do reconhecimento do genocídio perpetrado contra as populações indígenas, durante o período da violência da guerra civil guatemalteca.
Diante do clamor popular por reformas eleitorais, manter o ex-general Pérez Mollina no mais alto posto de mando dos poderes civis parece ser uma estratégia das classes dominantes para evitar que se chegue a mudanças estruturais efetivas na distribuição de poder na Guatemala. Dito isso, se evidencia, por exemplo, a ausência de apoio da organização representativa da classe empresarial, a CACIF, nos últimos protestos. Os manifestantes clamam que urgentes reformas sejam feitas, antes mesmo do processo eleitoral, que, de acordo ao atual calendário, se daria em 6 de setembro de 2015.
Convocadas através das redes sociais, as jornadas de protesto são um êxito social singular na história de um país marcado por sucessivos governos autoritários e um estado de direito bastante incipiente. Com isto, não quero indicar que a população guatemalteca tenha sido indiferente à política e aos processos de tomada de decisão. Na verdade, os movimentos sociais estiveram sempre presentes e atuantes em diversas zonas do país, especialmente nas lutas camponesas, movimentos indígenas e outros setores, especialmente das zonas rurais. No entanto, há algumas características que marcam a singularidade do presente contexto.
Por um lado, é bastante expressiva a diversidade de atores envolvidos nas manifestações. Nas ruas da capital e em outros estados do país, se verificou a presença de comunidades indígenas de zanas rurais e urbanas, assim como um significativo número de mestiços de diversos setores sociais. Em alguns municípios, se indica que a presença massiva de pessoas da capital é um fato bastante fora do comum, já que, segundo se diz, estes não costumam envolver-se nas manifestações populares, especialmente em causas encabeçadas pelas populações das zonas rurais e de municípios menores.
Por outro lado, a persistência dos cidadãos nas ruas, somada à amplitude de suas reivindicações, ganhou projeção internacional, influenciando, também, outros países da região centro-americana.
Os gritos de abaixo à corrupção e impunidade, a negação dos políticos tradicionais pouco representativos e o desejo de reforma das leis eleitorais são clamores que ultrapassam as fronteiras do Estado guatemalteco, agregando-lhe peso a causas sociais de outros países, especialmente em Honduras.
Além disso, o grau de liberdade que se permitiu às expressões populares também é digno de destaque. Em um país onde os protestos sempre foram reprimidos violentamente e onde se deu pouca relevância a casos de assassinatos ocorridos durante marchas populares – como resultado do uso abusivo e, muitas vezes, ilegítimo do aparelho de Estado e outras fontes de violência, especialmente nas zonas rurais – a irrisória presença das forças policiais, durante as manifestações, é também bastante emblemática.
Há quem diga que a tão conhecida polícia anti-distúrbios está preparada, na próxima esquina. O uso de aparelhos de vigilância de alta tecnologia, como os drones, que sobrevoam as caminhadas e registram todos os presentes, assim como os eventuais cortes de sinal telefônico, são outros dos fatos chamativos.
Mas, ao levar em conta as atuações violentas da polícia que, ao redor do mundo, protegem as classes dominantes e reprimem protestos populares, tal como no Brasil, Espanha, Estados Unidos, Turquia, entre outros, o livre acesso dos manifestantes guatemaltecos à fachada do Palácio de Governo é um fato, pelo menos, curioso.
De modo que, as tardes de sábado, na Praça da Constituição, transformaram-se em um evento fixo na agenda de milhares de cidadãos guatemaltecos que ocupam o espaço público, acompanhados de seus familiares.
Através das lentes do fotógrafo Ajpu Nicho*, compartilhamos um registro fotográfico feito nas ruas da capital, Cidade Guatemala, na tarde do dia 13 do mês passado. Criatividade, diversidade e um relativo grau de liberdade têm sido os fatos mais significativos destas jornadas de luta popular, na qual diversos setores sociais expressam sua inconformidade com as regras do jogo político que vem mantendo a população guatemalteca refém dos grupos de poder que se perpetuam e reproduzem no seio dos aparelhos de Estado.
*Ana Clarice Oliveira é graduada em Ciência Sociais pela Universidade Federal do Ceará, mestra em Antropologia pela Universidad de Sevilla.
*Ajpu Nicho é fotógrafo e desenhador gráfico, maya kaqchikel, graduado em Realização Audiovisual pela Casa Comal, especializado em Fotografia cinematográfica, estudante de Comunicação e Desenho na Universidad Galileo (Guatemala) e fundador da MAYUL Producción Audiovisual Maya.