Por Rudis Yilmar Flores*
Tradução por: Joelma Gusmão
Revisão por: Mariana Yante
O debate da transição do pós-guerra em El salvador continua aberto, vinte e três anos após este processo haver sido iniciado. Um dos aspectos cruciais da discussão é a dimensão democrática desta transição; em todo caso, pensou-se que, caso consumada, esta deveria ser necessariamente democrática, porém a realidade demonstrou que não se tratava de algo mecânico que nos conduziria a um regime com tal dimensão.
Um elemento-chave na discussão e no discurso continuam sendo os acordos de paz que puseram fim ao conflito armado, os quais geraram mudanças nas velhas estruturas do Estado e criaram novas instituições. Exemplo disso foi o desaparecimento dos órgãos repressivos de segurança, como a Guardia Nacional (Guarda Nacional), a Policía de Hacienda (Polícia Rural), a Policía Nacional (Polícia Nacional), os batalhões de reação imediata, a redução do exército, a criação de uma nova doutrina militar, bem como o surgimento da Nueva Policía Nacional Civil (Nova Polícia Nacional Civil), o Consejo Nacional de la Judicatura (Conselho Nacional Judiciário), o Tribunal Supremo Electoral (Tribunal Superior Eleitoral), o Foro Económico Social (Fórum Econômico Social), que nos sucessivos governos de direita havia desaparecido, e um elemento importante foi a conversão do exército guerrilheiro em uma instituição política que ganhou as eleições presidenciais em março de 2009.
Conquanto essas mudanças tenham sido importantes, não foram suficientes para superar as causas do conflito armado que originou mais de 70 mil mortos e 100 mil desaparecidos; o tema econômico-social continua sendo o indicador que mede o nível de democratização em que vive o País e a falta de acordos em grandes temas, como a redução da pobreza.
Existe um elemento que adquire grande transcendência e que o processo de transição democrática não tem conseguido resolver: é o problema da exclusão social, da má-distribuição de renda, da falta de emprego, de uma moradia digna, de educação, e que nos últimos anos tem provocado o auge da violência em suas distintas formas de manifestação no seio de uma ordem social que dá as costas à grande maioria da população em seus próprios interesses.
De certo modo, El Salvador, nos últimos tempos, deve ter perdido o rumo no tema do cumprimento dos acordos de paz, já que, embora tenham sido assinados como um requisito imprescindível para avançar nos novos propósitos da democratização social e política do País, a essas alturas existe um déficit em seu cumprimento em conformidade com o que foi pactuado em Chapultepec e Nova York.
A realidade dos salvadorenhos se tornou muito complexa, já que as necessidades mais pungentes da população não conseguem ser resolvidas; isto necessariamente conduz os setores populares a uma luta permanente pela reivindicação de seus direitos, e as respostas de maneira imediata dos últimos governos de direita tem sido a criminalização dos movimentos sociais a partir da criação de novas leis, como a lei antiterrorista e os planos “mão-de-ferro” e “super-mão-de-ferro”, bem como o surgimento dos juizados especializados ou “blindados” como as novas formas de repressão do Estado.
A presença do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas no último 16 de janeiro, data em que se completaram vinte e três anos dos Acordos de Paz, expressa claramente que o País segue enfrentando os grandes problemas estruturais que geraram o conflito armado. Em seu discurso, o Secretário-Geral expressou os enormes desafios nos temas de insegurança dos cidadãos, da exclusão social e da falta de oportunidades que impedem que muitos salvadorenhos colham os benefícios que a paz traz. É necessário o fortalecimento das instituições inclusivas e a criação de mecanismos que aproximem as vozes dos grupos vulneráveis da tomada de decisões, incluindo os mais despossuídos, os povos indígenas, mulheres e homens. É necessário seguir enfrentando os velhos desafios, como equilibrar as tensões entre a paz e a justiça, entre os interesses dos que têm poder e os da população em geral, entre as urgências imediatistas e a sustentabilidade em longo prazo.
De sua parte, o Presidente Salvador Sánchez Cerén considera necessário o aprofundamento da cultura democrática dos mecanismos de transparências das instituições e o permanente combate à corrupção, ampliando os mecanismos de participação cidadã, com a inclusão dos povos nativos e de mais de três milhões de compatriotas que vivem no exterior. Reconhece os grandes problemas da violência e da insegurança e a quantidade de homicídios de homens, mulheres e crianças que se comentem diariamente, além dos desafios para alcançar a paz e a tranquilidade que desejam as famílias. O conflito que hoje nos desafia é a criminalidade gerada pelo narcotráfico, sua conexão com as gangues e a extorsão.
A tarefa da construção da democracia é uma tarefa decorrente dos acordos de paz e readquire maior evidência com a vitória eleitoral da esquerda em 15 de março de 2009, e, em 2014, da F.M.L.N, por ser considerada como o triunfo do povo, e onde o estado de privilégios de que gozava a direita tende a desaparecer e o novo governo deve seguir contemplando a agenda de tratamento preferencial aos pobres.
Não resta dúvida, existe uma dívida histórica com o povo salvadorenho e sua democracia; agora se apresentam novos cenários e novas formas de luta diante da nova realidade em que vive o País e o mundo; ainda quando a esquerda governe, é necessário romper os velhos esquemas de dominação e de exploração da classe empresarial que hoje em dia seguem vigentes e que se negam a aceitar que o mundo mudou.
*Rudis Yilmar Flores é Professor pesquisador da Universidad de El Salvador, Faculdad Multidisciplinaria Oriental (San Miguel) membro do Comité Directivo de La Asociación Latinoamericana de sociología, secretário da direção e Asociación Centroamericana de sociología, membro da Asociación Salvadoreña de Sociología.