Por Miroslava Rosales*
Traduzido por: Wenerton Soares
Revisão por: Mariana Yante
“O nosso tempo, para a pena,
não é muito fácil”.
<À Sérgei Esénin>, Vladimir Maiakovski
Em primeiro lugar, considero necessário dar algumas definições sobre o que entendemos por poesia social, embora seja preciso aclarar que este início em si já se mostra problemático.
Víctor García de la Concha a definiu como “aquela que se ocupa do homem enquanto personalidade inserida em um contexto histórico concreto e em qualquer ou em todas as dimensões de inter-relação com outros homens: trabalhistas, econômicas, culturais, de classe… Dita poesia se qualifica como revolucionária, em minha opinião, quando se põe a serviço de uma ideologia concreta”[1]. Outro autor lança a seguinte definição: “aquela poesia em que o autor, fazendo em maior ou menor grau de violência a abstração de sua intimidade, cantava em protesto […] contra as amputações que cerceavam o indivíduo enquanto sujeito à pressão coletiva de uma realidade social limitadora e alienante” [2]. Dessas duas definições podemos dizer que o fato poético se remete à realidade, ao “contexto histórico concreto”, ao aqui e agora, às relações que se estabelecem com os outros. Encontramo-nos diante de uma poesia que tem como preocupação fundamental as realidades do coletivo e tenta estabelecer pontes com suas distintas dimensões. O ponto de partida é a realidade, e se deixa de lado o mito. A poesia social colocaria o acento nas circunstâncias históricas, responderia a um chamado ético, que especialmente em sociedades como a nossa, é de especial relevância.
Miguel Huezo Mixco (El Salvador, 1954) no campo da poesia, é o autor de El pozo del tirador(1988), Memoria del cazador furtivo (1995), El ángel y las fieras (1997) e Comarcas (2002, 2004).Da mesma forma, incursionou-se no ensaio e na novela (Camino de hormigas, recentemente publicada). Ele participou do processo revolucionário como responsável pela propaganda das Fuerzas Populares de Liberación (FPL). Na segunda parte do seu livro Edén arde[3], encontramos mais claramente elementos da poesia social: realidade e relação (e representação) com o outro, pois em alguns poemas de maneira mais evidente mostra-se essa necessidade de dar testemunho de realidades cruas, servir de denúncia, ainda que, sempre mantendo sua eficácia poética. O fato poético é aqui baseado em seu entorno. Encontramo-nos com muitos poemas de preocupações sociais e que mergulham no horror de muitas vidas, não somente no país, mas também além de suas fronteiras. Com isso, por exemplo, pretende-se abordar o fenômeno migratório, ainda que não como preocupação fundamental do livro. Tomemos o caso de “Terrível fronteira”:
“Todas as portas têm uma palavra por guardiã
menos esta
Nunca estive tão calado. Nunca
como neste lado.
Sapos escorpiões pássaros serpentes
me enxergam com cabelos de demônio
com as mãos inquietas e tolas
como um menino ao qual um balão se lhe escapa
–Cuida-te para não acabar
como um animal desajustado
que chega a morrer nesta extremidade[4]
E logo encontramos inúmeros fugitivos que habitam esta parte:
Anjo, homem,
Cabelo negro e liso que cai sobre sua testa como que aba de chapéu.
Veste uma camisa listrada, rasgada e gasta.
Seu velho jeans está roto na cintura.
Não usa anéis.
Às vezes só às vezes usa uma correntinha de prata
da qual pende
uma minúscula espada.
Foge das multidões e dança apenas quando se
embebeda.
Se cala diante dos estranhos
Não fala inglês.[5]
É clara a intensão de focar os refletores nesta realidade em que vivem muitos compatriotas nos Estados Unidos, uma realidade que desmistifica o “sonho americano”, que evidencia a precariedade em que vivem estes latino-americanos, apesar de seus grandes esforços cotidianos. O que também pode ser notado é que esta realidade torna manifesta a incapacidade de nossos países de dar aos seus cidadãos uma vida digna e segura.
A terceira parte se intitula “Fénix-Los Ángeles”, e da mesma forma encontramos heróis que mais bem são os marginalizados dos pavilhões da glória:
Herói
Ontem sonhei que entre os campos de laranjeiras
corria um rio de tortilhas
A felicidade é uma fera ensaboada
De modo que até a beleza é absurda
A vida me converteu em um herói
E chorar no chuveiro é o maior dos meus superpoderes[6]
Estes “retratos” poéticos não são exaltações cegas; melhor mostram a condição humana em todos os seus matizes.
Mike, homem
de olhar esquivo e pele cinza,
carrancudo e de olhos puxados.
Usa um bigode revolto que cai sobre seus lábios,
e um rabo de cavalo que enoda com um elástico preto.
Tem tatuada no quadril esquerdo a figura de
um trapezista em pleno voo.
Bebe vodca.
É acusado de haver disparado contra uma patrulha de
Policiais em Somoto,
Ferindo gravemente a um e matando o outro.
Pode ser muito violento.[7]
.
A poesia social se torna válida e necessária em um contexto tão hostil, tão sórdido, como o salvadorenho. Não pode ser que sigamos trancados na torre de marfim enquanto lá fora há tantos mortos. Mas também é claro que se necessita de mais do que boas intenções, pois é um erro esquecer que é obrigatório o conhecimento técnico. É óbvio que não é o caso de Huezo Mixco, já que é um autor que tem mostrado em sua trajetória um equilíbrio entre emoção, realidade e palavra. Sua poesia é crua e eficaz.
*Miroslava Rosales é salvadorenha, poeta, articulista de revistas internacionais e parte da Dirección Nacional de Investigaciones en Cultura y Arte del Comité Editorial de la Revista ARS.
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Referências
García de la Concha, Víctor. Poesía española de posguerra. Madrid: Prensa española, 1973. Citado por Francisco Ruiz Soriano, Poesía de postguerra. Vertientes poéticas de la primera promoción (Barcelona, España: Montesinos, 1997).
Huezo Mixco, Miguel. Edén arde. El Salvador: Índole Editores, 2014.
Olivio Jiménez, José. Diez años decisivos en la poesía española contemporánea, 1960-1970. Madrid: Rialp, 1998.
[1] Víctor García de la Concha, Poesía española de posguerra (Madrid: Prensa española, 1973), 37, citado por Francisco Ruiz Soriano, Poesía de postguerra. Vertientes poéticas de la primera promoción (Barcelona, España: Montesinos, 1997).
[2] José Olivio Jiménez, Diez años decisivos en la poesía española contemporánea, 1960-1970 (Madrid: Rialp, 1998), 189.
[3] Miguel Huezo Mixco, Edén arde (El Salvador: Índole Editores, 2014).
[4] Huezo Mixco, Edén arde, 37.
[5] Huezo Mixco, Edén arde, 37.
[6] Huezo Mixco, Edén arde, 77
[7] Huezo Mixco, Edén arde, 60.